O que é ser uma mulher jornalista?
Por Elaine Dal Gobbo (*)
Aos 14 anos fui convidada pela minha professora de português, com mais duas colegas de sala, para dar uma entrevista para o jornal A Gazeta sobre jovens que leem. Enquanto era entrevistada, observava o trabalho do repórter e pensava: nossa, que legal! Hoje ele está conversando com três meninas que ele nunca viu na vida. Depois ele vai entrevistar outras pessoas, em outros lugares. Sempre está em contato com pessoas diferentes, com histórias diversas e ainda escreve sobre isso. Quero ser jornalista!
Ali eu descobri que ser jornalista é entrar em contato com as mais diversas realidades e passei a sonhar com o dia que trabalharia na redação de um jornal impresso. Assim mesmo, bem específico. Era doida para trabalhar em um jornal impresso. Quando entrei na faculdade descobri que ser jornalista não é somente fazer reportagem e trabalhar em redação de jornal. É, também, fazer assessoria de imprensa e atuar nas redes sociais o que, naquela época, ainda era meio incipiente, além de ter outras atividades. É trabalhar também em órgãos públicos, organizações não governamentais, sindicatos e muitos outros lugares.
Descobri também que ser jornalista não é somente informar, é educar, promover cidadania, estimular o senso crítico. Ao me formar, eu, que já tinha descoberto o que é ser jornalista e ainda passo por esse processo de descoberta sem fim, descobri, ainda, o que é ser mulher jornalista.
Logo de cara, no meu primeiro emprego, descobri que ser mulher jornalista é alertar diversas vezes que um equipamento de uso profissional não está funcionando direito e ter sua capacidade de manuseá-lo questionada, enquanto que para seu colega de trabalho, homem, basta falar uma vez para que o equipamento seja prontamente trocado por outro.
Ser mulher jornalista é, em uma discussão sobre política com uma equipe majoritariamente masculina, ouvir que é preciso falar as coisas de forma mais simples para que eu, a única mulher do grupo, pudesse entender. É também, ao reclamar do salário, ouvir que não há condições financeiras de aumentá-lo mas, depois, ver um homem ser contratado para o mesmo serviço que o seu, com remuneração bem maior.
Além disso, ser mulher jornalista é sofrer assédio sexual, denunciar e nada, absolutamente nada ser feito, e ainda ver, tempos depois, que o assediador foi promovido.
Ser mulher jornalista é conversar com o colega de trabalho sobre algumas ideias que se teve para o jornal e depois vê-las implementadas como se fossem do tal colega, que as apresentou como se fossem dele; é ver o trabalho da equipe ser criticado, explicar tecnicamente o porquê de terem escolhido aquele caminho, as críticas permanecerem, mas cessarem quando um colega homem, ao ser questionado pelo trabalho que está sendo feito, dar exatamente a mesma explicação que a sua e ser aplaudido pelo seu conhecimento técnico.
É fazer um trabalho voluntário com a mesma dedicação com a qual faria se fosse remunerado, mas quando há recursos para uma contratação, priorizarem um homem que não estava envolvido naquela atividade, nem precisava daquela oportunidade de trabalho mas foi escolhido pelo simples fato de ser homem.
Eu não falo só de mim. Ser mulher jornalista é ver no rosto do patrão o pavor quando sua colega de trabalho esboça o desejo de ser mãe; ver esse mesmo patrão, estando a funcionária grávida, demonstrar insatisfação, como tentativa de intimidá-la, por ela ter que se ausentar do trabalho uma vez por mês, durante meio período, para fazer pré-natal.
É ver essa mulher, já com o bebê nos braços, simplesmente ter que deixar de ser jornalista, a profissão que ela escolheu e para a qual se preparou, para se dedicar exclusivamente à maternidade ou a algum trabalho que possa exercer dentro de sua casa para conseguir cuidar do filho, pois o machismo é algo estrutural, não é somente no mercado de trabalho.
Falta tudo. Falta creche, faltam serviços de saúde de qualidade, falta compreensão de que os homens também têm que ter responsabilidade na criação dos filhos, no cuidado com as pessoas.
Mas ser mulher jornalista também é ver que há, cada vez mais, a conscientização de que as mulheres devem se unir. E aí não é somente entre as jornalistas, e sim, entre as trabalhadoras em geral. Ultimamente, vejo muitos projetos organizados por mulheres priorizando a mão de obra feminina na formação de suas equipes, inclusive, com recortes muito importantes, contemplando, por exemplo, mulheres negras, periféricas, indígenas, da comunidade lgbtqia+.
Ser mulher jornalista, ou melhor, ser mulher trabalhadora, é saber que, muitas vezes, embora se tenha mais qualificação, mais experiência e até mais compromisso do que um colega, corremos o risco de ter menores salários, de ocupar os postos de trabalho “mais inferiores” e de ter reconhecimento profissional inversamente proporcional ao nosso talento e à nossa seriedade. Mas é também compreender que cabe a nós buscar mudar essa realidade, que lentamente vem sendo transformada, dando continuidade às lutas iniciadas por nossas ancestrais.
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*Elaine Dal Gobbo é jornalista formada pela Universidade Federal do Espírito Santo, onde também cursou especialização em Gestão Estratégica de Marketing e mestrado em Comunicação & Territorialidades. Já trabalhou em mandato parlamentar, comunicação empresarial, comunicação sindical, marketing político e, atualmente, é repórter do site Século Diário. Também atua como produtora cultural e escritora. É autora dos livros de crônicas Trânsitos de Alma e Agridoce, e organizadora dos livros Sobre Jovens e Adultos, Debaixo do Pé de Manga e Um Lugar de (e que) Fala.