Crônica – Um assédio em diálogo, ou melhor, monólogo
– Caleb, durante suas férias, em reunião com a equipe, entre outros assuntos correlatos, discutimos o seu perfil… você é bom profissional, tem muita disposição para trabalhar; sei que pra você, missão dada é missão cumprida, mas precisamos de harmonia; você vê o trabalho como sacerdócio, mas só isso não basta. Aliás, isso não basta. Parte da equipe, não se sente bem em trabalhar com você. Sabe como é, harmonia está acima dos resultados, e você é muito focado em resultados. Vive pensando em soluções até mesmo quando não lhe repassam atividades. Isso é neurose, Caleb. Neurose trabalhista. Eu quero é harmonia na equipe. Como disse, você é um excelente profissional, mas seu perfil…
– O que tem meu perfil chefe? Saio de casa todos os dias para trabalhar. Venho focado no trabalho, vislumbrando resultados. Busco concentrar-me na missão pois meu trabalho me inspira.
– Sei Caleb, mas tem que ter harmonia. E embora você seja bom profissional onde se encontra, estou buscando um novo lugar para você na empresa. Fica tranquilo. Você vai tirar de letra. Confie! Eu sei o que é bom para você.
– Mas, chefe…
– Caleb, tranquilize-se.
– Mas chefe, enquanto muitos chutam que o problema é no motor, eu vou no ajuste do parafuso, pois sempre estudo todo o processo, colocando todos os elementos para análise.
– Caleb, minha preocupação é com sua saúde. Você deveria rir mais. Gargalhar das piadas dos colegas, mesmo elas sendo sem graça. Se a alegria dos colegas, contando sobre o cachorro que cruzava a estrada e correu para o mesmo lado em que o motorista desviava morreu, você não precisa rir. Eu também não abriria meu riso, pois gosto muito de cachorro, mas vai jogar paciência, assistir o Netflix ou vídeos no Youtube; ou estude. Faça como Zaki. Todos sabem que ele em vez de trabalhar fica estudando para concurso, mas você já viu como ele se entrosa? Já vi ele rir de cada tolice. Se você fosse como o Zaki, eu já teria conseguido a sua troca, mas essa sua fixação pelo trabalho está dificultando eu arrumar um encaixe para você em outros setores da empresa. O Zaki todos querem, mas você…está difícil.
– Chefe, saio de casa para trabalhar. Posso até rir, mas o riso no trabalho tem como base a meta alcançada, ou o sucesso, a celebração de conquista contada por um colega. Como posso ficar rindo se nada produzo e vejo os desafios se avolumarem? Qual a finalidade de sair de casa todos os dias em vir para o trabalho? Rir!? Chefe, gosto de rir no boteco, em casa com a família; na rua, na chuva, na fazenda; numa casinha de sapé. Mas mesmo nesses lugares que me dão prazer, algumas vezes também conflitamos; os conflitos são inerentes do convívio, pois somos, cada um, ímpares na essência. Os conflitos pessoais não são agregadores, mas os profissionais abrem janelas para a solução que é a maturação das ideias e opiniões. Sabia chefe, que grandes empresas fomentam o conflito, e que grandes líderes utilizam os conflitos como ferramentas de desenvolvimento e crescimento, tanto pessoal quanto organizacional, pois estimulam para um ambiente de auto avaliação e mudança?
– Sim, mas está decidido. Espero que compreenda Caleb, que pela harmonia da equipe você será remanejado. E o problema talvez não seja a harmonia, mas o choque entre gerações. Alguns da equipe tem em idade o que você tem de contribuição com o sucesso da empresa. Fique tranquilo! Caso as dificuldades em arrumar um novo local para você ainda persistam, vou colocar você naquela salinha em que guardam as cadeiras quebradas. Coloco as cadeiras na sucata, peço para darem uma ajeitadinha na sala; coloco um computador. Você sabia que tem uma janelinha que dá para um lindo pé de samambaia? Muito obrigado, Caleb! Obrigado por sua contribuição em todos esses anos. Sucesso é o que eu sempre lhe desejarei.
Você se viu, ou conhece algum Caleb? Por favor, qualquer semelhança é mera coincidência.
Por Dimitri Red Cloud