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A Lei de Acesso e os jornais impressos

Por Luma Poletti e Fernando Paulino – A Lei 12.527, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), foi aprovada em 18 de novembro de 2011 e prevê mecanismos para garantir que os cidadãos tenham acesso às informações produzidas ou tuteladas por órgãos públicos, seja em âmbito municipal, estadual, distrital ou federal. A regra também se aplica aos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Para que a administração pública tivesse tempo para se adequar às determinações da Lei, foi estabelecido um prazo de 180 dias, de forma que a LAI começou efetivamente a vigorar em 16 de maio de 2012.

Entre as adequações previstas, cada um dos três Poderes, assim como cada Estado, Município e o Distrito Federal, deve regulamentar a LAI, criar Serviço de Informações ao Cidadão (SIC) [Os SICs têm como função: atender e orientar o público quanto ao acesso a informações; informar sobre a tramitação de documentos nas suas respectivas unidades; e protocolizar documentos e requerimentos de acesso a informações.] e divulgar espontaneamente informações em seus sites oficiais (transparência ativa) [Conforme §4º do Art. 8º, ficam dispensados da obrigação de divulgar informações na internet apenas os municípios com população de até 10.000 habitantes.]. Nos casos de transparência passiva – quando o cidadão solicita uma informação ao órgão público – o pedido deve ser atendido no prazo de 20 dias, podendo ser prorrogado por mais 10, desde que justificado.

Além de promover o acesso a dados mantidos e/ou produzidos por órgãos públicos, o direito à informação reflete o próprio sentido republicano do governo a serviço do povo (REIS, 2014). Porém, além disso, para os profissionais do jornalismo, a aprovação da Lei de Acesso à Informação representou a conquista de uma nova ferramenta de trabalho, uma alternativa às assessorias de imprensa dos órgãos públicos na hora de buscar informações. De acordo com a Controladoria-Geral da União [ROMÃO, J. E. Como os jornalistas usaram (e abusaram?) da transparência passiva no primeiro ano da LAI.Disponível aqui, acesso em 15 jul. de 2014.], o modo como os jornalistas utilizam a lei é característico: o número de perguntas em uma única solicitação de informação é maior, assim como o índice de recursos contra negativas, e a chamada fishing expedition, prática que, ao pé da letra, simboliza uma “pescaria” de informações: pedidos genéricos que demandam um grande volume de dados sem a especificação de um tema ou assunto. O objetivo deste tipo de prática seria encontrar, dentro de uma ampla gama de dados, informações que possam ser de interesse midiático.

A Lei de Acesso se apresenta, por princípio, como um instrumento para vencer certas resistências culturais da administração pública do país, como o patrimonialismo, e tornar públicas informações antes restritas. Dar visibilidade ao poder, no sentido de publicizar tudo que diz respeito à esfera pública, é a razão de ser do jornalismo (GENTILLI, 2005), portanto, os jornais desempenham uma importante função neste processo de amadurecimento democrático ao fazer uso deste instrumento, apontar suas falhas e divulgá-las.

Nessa linha, o relatório final da Comissão MacBride já destacava o protagonismo do jornalismo na luta pela liberdade de acesso à informações.

O direito de estar informado e de escutar diversas opiniões pertence em princípio a cada cidadão, mas na prática depende da liberdade dos jornalistas. É certo que todos deveriam desfrutar o direito de buscar e difundir informações e expressar opiniões, mas em virtude de que são vulneráveis às restrições impostas pelas autoridades, os jornalistas se encontram frequentemente, gostem ou não, na primeira linha de defesa da liberdade. (MacBRIDE, p. 193, 1998, tradução nossa)

Ao analisar o caso dos Documentos do Pentágono, Hannah Arendt (1999) já havia destacado o papel da imprensa como reveladora dos arcana imperii, divulgando informações que o governo ocultava: “O que sempre foi sugerido agora foi demonstrado: na medida em que a imprensa é livre e idônea, ela tem uma função enormemente a cumprir e pode perfeitamente ser chamada de quarto poder do governo” (ARENDT, 1999, p. 46).

Além de utilizarem a LAI no trabalho, no cenário brasileiro os profissionais da comunicação desempenharam importante papel no acompanhamento da tramitação da lei, como a criação do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas [http://www.informacaopublica.org.br/] em 2003, coordenado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), e que atualmente reúne 25 organizações da sociedade civil, das quais sete estão ligadas diretamente ao jornalismo. O objetivo principal do Fórum, no momento de sua criação, era reunir organizações e pressionar as autoridades para que o direito de acesso à informação pública fosse regulamentado no Brasil. Oito anos depois, a Lei de Acesso à Informação foi aprovada e o Fórum continua ativo, monitorando a aplicação da LAI por meio de um site ondereproduz matérias publicadas em portais de notícias de todo o país envolvendo transparência e acesso à informação pública.

Michener (2010) ao pesquisar as Leis de Acesso à Informação de países da América Latina considera como uma importante variável a análise do papel desempenhado por veículos de comunicação no processo de aprovação das LAIs em cada país, fazendo uma relação direta entre o silêncio da mídia e a sanção de normas mais fracas [Michener (2010) usa a expressão “weaker laws” para expressar quando as leis são mais fracas, ou seja, menos rígidas e pouco consistentes. Por outro lado, leis robustas, que afetam a qualidade do sistema democrático são consideradas “fortes”]. Nessa perspectiva, a Abraji produziu um relatório [Relatório de Desempenho da Lei de Acesso às Informações Públicas. Disponível aqui, acesso em: 10 jul. 2014.] com observações sobre a LAI feitas por jornalistas que a utilizam como ferramenta de trabalho. O documento traz gráficos que ilustram os principais problemas enfrentados por estes profissionais ao utilizarem a lei para conseguir informações nos diferentes níveis de governo e nos três Poderes. Por fim, apresenta uma lista com algumas sugestões dos jornalistas consultados para o aprimoramento da lei e as principais reclamações em relação a ela, tais como: a necessidade de capacitação de servidores para o atendimento às determinações da LAI, maior empenho por parte dos órgãos públicos na adoção do padrão de dados abertos e maior transparência nas decisões da Comissão Mista de Reavaliação de Informações.

Levando em consideração todo este envolvimento entre o direito de acesso a informações públicas e a prática do jornalismo, este artigo se propõe a analisar a cobertura que veículos de referência têm dado ao tema. Assim, foi desenvolvido um levantamento de matérias que citam a Lei de Acesso à Informação durante seu primeiro ano de vigência (de 16 de maio de 2012 a 16 de maio de 2013), e que foram publicadas em três jornais de circulação nacional: Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e O Globo.

Metodologia

Para alcançar os objetivos da pesquisa, foram utilizados os procedimentos da análise de conteúdo, que segundo Bardin (2006), se organiza em três fases: a pré-análise; a exploração do material; o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. Primeiramente foram definidos os termos de busca “Lei de Acesso à Informação” e “Lei de Acesso” para mapear o quantitativo de menções à LAI publicadas nos jornais impressos Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e O Globo ao longo do primeiro ano de vigência da Lei. Os veículos escolhidos se justificam por estarem entre os jornais impressos de maior circulação nacional [Dados do Instituto de Verificação de Circulação (IVC)].

Após a definição dos termos a serem pesquisados e do período, foi feita uma busca nos portais de notícias dos três jornais. Ao todo foram selecionados 415 textos que faziam menção à Lei de Acesso à Informação. A partir daí foram separadas as matérias jornalísticas dos artigos de opinião, entrevistas e editoriais. O objetivo era selecionar não só uma amostra de matérias sobre a Lei, mas também aquelas que foram produzidas comuso dela.

Após esse processo, foram contabilizadas 314 matérias jornalísticas e 101textos diversos (editoriais, entrevistas, artigos de opinião, etc.). O jornal Folha de São Paulo liderou as publicações sobre o tema, seguido por O Estado de São Paulo e, por fim, O Globo, conforme dados da Tabela 1 abaixo:

Jornal Matérias Artigos,
Editoriais,
Entrevistas
Total
Folha de São Paulo 120 51 171
O Estado de São Paulo 101 27 128
O Globo 93 23 116
Total 314 101 415
Tabela 1: Quantitativo de textos que fazem referência
à LAI publicados em cada jornal no primeiro ano de vigência da Lei.

 

A partir deste levantamento, realizou-se análise de conteúdo das 314 matérias jornalísticas e foram estabelecidas oito categorias que possibilitam traçar um panorama sobre a cobertura do tema pelos três jornais, a saber: 1) editorias em que as matérias foram publicadas, 2) data de publicação, 3) tamanho dos textos, 4) recursos complementares utilizados (fotos, infográfico, quadros explicativos ou com análises de especialistas), 5) referências da matéria à aplicação da lei, 6) principais temáticas abordadas, 7) nível de administração que a matéria faz referência (Federal, Estadual, Distrital ou Municipal), e 8) qual dos Três Poderes a matéria faz referência.

>> Resultados

Folha de São Paulo: ampla cobertura e foco no Executivo Federal

No jornal Folha de São Paulo, os textos que fazem referência à Lei de Acesso se concentram nas editorias Poder e Cotidiano (com 86 e 17 matérias em cada uma, respectivamente). A Lei também foi mencionada em outras editorias como Ciência+Saúde,EmpregoIlustradaIlustríssimaEsporteMercado e Mundo. Além disso, foram publicados 26 artigos de opinião, 12 depoimentos de especialistas, 11 editoriais e duas entrevistas relacionadas à LAI.

Sobre as datas de publicação das matérias selecionadas, observou-se uma grande produção logo nos primeiros meses de vigência da Lei de Acesso, porém, com o passar do tempo esta produção sofre uma queda, recupera um pouco a força, mas não na intensidade inicial. Os meses com mais publicações que citam a LAI foram maio e julho de 2012, com 25 e 34 textos, respectivamente. Por outro lado, os meses com menos menções à Lei foram outubro e dezembro de 2012, ambos com apenas duas citações.

Em relação ao tamanho das peças jornalísticas, cada uma tem em média 2.550 caracteres.O recurso mais utilizado para ilustrar os textos foram infográficos (24), fotos (22) e trechos de documentos (5).

Entre as matérias que pontuam dificuldades na utilização da Lei, as observações mais recorrentes dizem respeito à regulamentação (11,8%) (a falta de regulamentação ou a demora de alguns órgãos para regulamentar a lei de acesso), pedidos de informação negados sem justificativa (7,5%), classificação arbitrária de documentos como sigilosos (7,5%), e divulgação não nominal dos salários de servidores públicos (7,5%).

Por meio da ferramenta virtual Wordle foi produzida uma nuvem de tags com os títulos das 120 matérias publicadas pelo jornal:

Entre as palavras que mais se destacam estão: Governo, Salários, Câmara, Brasil e SP. As principais temáticas abordadas dizem respeito à Administração Pública (25 matérias), seguidas pelas matérias sobre a própria Lei de Acesso à Informação e demais assuntos relacionados à transparência (23) e Salários (20). Também foram tratados temas como Economia, Religião, Assuntos Internacionais, Comissão Nacional da Verdade, Ditadura Militar e Eleições.

Os níveis administrativos mais recorrentes nas matérias publicadas são: Federal (66,7%) e Estadual (21,9%), e, entre os Três Poderes, o Executivo e o Legislativo são os mais lembrados, com 56,8% e 21,5%, respectivamente.

O Estado de São Paulo: críticas à regulamentação da Lei e preferência por fotos

No jornal O Estado de São Paulo, das 101 matérias que citam a Lei de Acesso, a maioria está concentra nas editorias Política (com 76 matérias publicadas) e São Paulo (com 13 matérias). A LAI também aparece nas editorias de EconomiaNotícias e Internacional. Dos 27 textos diversos, foram 14 artigos de opinião, oito editoriais, quatro entrevistas e uma análise de especialista.

No primeiro ano de vigência da Lei, observou-se uma intensa produção de matérias nos meses iniciais, porém, as publicações foram decrescendo com o passar do tempo. Os meses de maior produção foram maio e julho de 2012 (com 26 e 12 textos respectivamente), e os de produção menos intensa foram abril e maio de 2013, com quatro e três menções à LAI, respectivamente.

Em relação ao tamanho dos textos, a média fica em torno dos 2.950 caracteres. Para complementar as informações, foram publicadas um total de 55 fotos, 18 infográficos e 11 quadros explicativos.

Sobre a aplicação da Lei, as observações presentes estão relacionadas, no geral, à regulamentação (13,7%) (a falta de regulamentação da lei em alguns órgãos ou a demora a regulamentar a lei), problemas na solicitação/atendimento (7,7%) e procedimentos de recursos (6%).

Na nuvem de tags criada a partir dos títulos das 101 matérias, os termos de maior destaque são: Salários, Acesso, Lei, divulgação e governo.

Os principais temas das matérias selecionadas são: a própria Lei de Acesso e assuntos relacionados à transparência (36 matérias), Administração Pública (21) e salários de servidores públicos (14). Também entram nessa lista Economia, Direitos Humanos, Transporte, Tecnologia, Educação e Eleição.

Quanto ao nível administrativo mais presente nas matérias, a maioria traz assuntos relacionados à esfera Federal (57,4%) e Estadual (21,3%), e, entre os três Poderes, os mais lembrados nos textos são o Executivo (54,3%) e o Judiciário (21,7%).

O Globo: Salários em pauta e matérias extensas

Das 93 matérias publicadas pelo jornal O Globo no primeiro ano de vigência da LAI, a maior parte se concentrou nas editorias País (80 matérias) e Rio Bairros (7 matérias), mas também estiveram presentes em RioEconomiaAmanhã e Prosa & Verso. Dos outros 23 textos publicados que mencionaram a Lei, 13 eram artigos de opinião, cinco editoriais, três entrevistas e duas análises de especialistas.

Quando observadas as datas de publicação das matérias, nota-se que nos meses iniciais a produção foi mais intensa, diminuindo com o passar do tempo. Os meses com maior número de textos mencionando a Lei de Acesso foram maio e julho de 2012 (com 31 e 24 citações, respectivamente), e os com menos menções foram outubro de 2012 e fevereiro de 2013.

O tamanho médio das matérias publicadas pelo jornal é de 3.360 caracteres, e os recursos mais utilizados para ilustrá-las foram fotos (30), infográficos (17) e quadros explicativos (6).

As matérias que trazem alguma observação em relação à aplicação da lei pontuam principalmente questões relacionadas à regulamentação da lei nos órgãos (22,1%) e à publicação de salários de servidores públicos (22,1%) (a demora a serem publicados no Portal da Transparência, a publicação de salários não individualizados, as batalhas judiciais envolvendo a polêmica privacidade versus informação pública). Também são pontuadas questões relacionadas à gestão dos documentos/informações (14,4%).

Na nuvem de tags criada a partir dos títulos das matérias, os termos que mais se destacam são: Salários, Lei, Acesso, Divulgação e Transparência.

Entre os temas abordados, o que mais se destaca é a publicação de salários dos servidores públicos (38 matérias), seguido de matérias sobre a própria LAI e demais iniciativas de transparência (29), e questões referentes à Administração Pública em geral (16). Também foram temas abordados: a Comissão Nacional da Verdade e documentos da Ditadura Militar, questões relacionadas à Educação, Segurança Pública, assuntos Internacionais e Meio Ambiente.

Entre os níveis de administração, o âmbito Federal (57,4%) e Estadual (21,3%) são os mais presentes nas matérias, e, entre os três Poderes, o Executivo (49,2%) e o Legislativo (29,5%) são os mais lembrados.

A tabela 2 sintetiza as informações obtidas nas análises dos três jornais e classificadas nas oito categorias:

Folha de S. Paulo O Estado de S. Paulo O Globo
Editorias com mais publicações Poder e Cotidiano Política e São Paulo País e Rio Bairros
Meses com mais publicações Maio e Julho de 2012 Maio e Julho de 2012 Maio e Julho de 2012
Tamanho médio das matérias 2.550 caracteres 2.950 caracteres 3.360 caracteres
Recursos mais utilizados Infográficos e fotos Fotos e infográficos Fotos e infográficos
Temas das matérias Administração Pública, Lei de Acesso à Informação, Transparência Administração Pública, Lei de Acesso à Informação, Transparência Salários, Lei de Acesso à Informação, Transparência
Observações sobre a aplicação da lei Regulamentação, documentos classificados como sigilosos, divulgação de salários de servidores públicos Regulamentação, Informações negadas sem justificativa, Informações incompletas Regulamentação e divulgação de salários de servidores públicos
Níveis Administrativos frequentes Federal e Estadual Federal e Estadual Federal e Estadual
Poderes mais lembrados Executivo e Legislativo Executivo e Judiciário Executivo e Legislativo
Tabela 2: Síntese da análise das matérias selecionadas

 

Coincidentemente, os meses que apresentaram os maiores índices de publicações de matérias com referência à LAI foram os mesmos nos três jornais (maio e julho de 2012), o que pode ser explicado devido ao caráter de novidade da lei na época. Nos três jornais, a produção foi visivelmente mais intensa nos seis primeiros meses de vigência da lei. Em relação ao tamanho das matérias, observa-se uma inversão: apesar de apresentar um quantitativo menor, as matérias de O Globo são, em média, maiores do que as publicadas nos demais diários pesquisados.

Outro ponto em comum foi a opção pelo uso de fotos e/ou infográficos como principais recursos para ilustrar os textos. Nesta linha, O Estado de São Paulo foi o jornal que mais utilizou estes recursos (presentes em 65% de suas matérias), enquanto O Globo foi o mais comedido, utilizando-os em apenas metade de suas publicações.

A Lei de Acesso à Informação e demais assuntos relacionados à transparência também aparecem como unanimidade entre os temas mais tratados pelos três jornais no período analisado. Calcula-se que por serem assuntos que interessam diretamente as empresas jornalísticas em questão, recebem mais atenção.

E, entre as observações pontuadas nas matérias sobre a aplicação da LAI, a principal, nos três jornais, diz respeito à sua regulamentação, abordando principalmente a demora de alguns órgãos em aprovar seus regimentos internos. Vale lembrar que a falta de regulamentação não desobriga o órgão a cumprir a Lei, mas torna o acesso mais difícil, uma vez que não determina as regras para o funcionamento da norma em seu âmbito (a quem recorrer em caso de negativa, por exemplo). Dois anos depois do início da aplicação da Lei de Acesso, ainda existem estados que não regulamentaram a LAI [O Mapa da Transparência produzido pela CGU mostra que até junho de 2014 sete Estados ainda não haviam regulamentado a LAI: ver aqui, acesso em 25 jul. 2014.].

Os níveis administrativos mais frequentes nas matérias são o Federal e Estadual. Como se tratam de veículos sediados em São Paulo e no Rio de Janeiro, estes dois estados se sobressaem na cobertura em relação aos demais, e, como se tratam de jornais de circulação nacional, não surpreende que a administração Federal lidere as matérias publicadas. Já entre os três Poderes, o Executivo é o mais lembrado pelos jornais.

Conclusões

A partir da análise das matérias publicadas observa-se que elas se concentram em editorias cujo foco é o cenário político nacional. Porém, é interessante observar que textos produzidos com o uso da Lei de Acesso não se restringem às páginas de política, mas também aos cadernos de cultura, meio ambiente e economia. Este é um aspecto positivo que demonstra as possibilidades de abordagem de diferentes assuntos a partir do uso da LAI.

Outra observação interessante decorrente da análise dos textos é verificar o alto índice de presença do poder Executivo nas matérias. Neste ponto, pode-se remeter a Carvalho (2002) que já destacava como herança ibérica a nossa fascinação por um poder Executivo forte, mais valorizado do que os poderes Legislativo ou Judiciário.

Ao utilizar a Lei de Acesso à Informação na produção de matérias, apontando possíveis falhas na aplicação da norma e indicando os setores mais resistentes à adoção da cultura da transparência, o jornalismo contribui para o amadurecimento democrático da sociedade. A Lei de Acesso abre caminho para alterar a lógica dominante da opacidade no sistema administrativo público. Porém, é sabido que apenas o aspecto jurídico não é suficiente para desconstruir toda a tradição de secretismo do Estado brasileiro. Em um país onde leis podem “pegar” ou não, o jornalismo desempenha um papel imprescindível para a aplicação efetiva da Lei de Acesso. Trata-se da conquista de um direito essencial para a categoria, intrinsecamente ligado à liberdade de expressão.

Cabe aos profissionais utilizarem a lei, produzirem demandas e, caso seja necessário, recorrer às instâncias superiores para obterem a informação solicitada. Ainda que existam dificuldades para o pleno exercício do direito de acesso à informação pública, é preciso compreender que, a longo prazo, os esforços empenhados resultam em benefícios para toda a sociedade.

Referências

ARENDT, H. Crises da República. São Paulo: Perspectiva, 1999.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2006.

BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011.Disponível aqui.

CARVALHO, J. M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

GENTILLI, V. I. Democracia de massas: jornalismo e cidadania. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.

MacBRIDE, S.; y otros. Un solo mundo, voces múltiples. México: Fondo de Cultura Económica, 1993.

MICHENER, G. “The Surrender of Secrecy: explaining the emergence of access to public information laws in Latin America”. Tese defendida em maio de 2010 na Universidade do Texas, Austin. Disponível aqui.

REIS, L. M. S. L. “A Lei brasileira de Acesso à Informação e a construção da cultua de transparência no Brasil: os desafios para a implementação da norma e o agir comunicativo no enfrentamento da opacidade estatal”. Dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília. Brasília: UnB, 2014.

 

Luma Poletti Dutra é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília; Fernando Oliveira Paulino é professor nos cursos de graduação e de pós-graduação da FAC-UnB, onde é pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação.

Artigo publicado no observatório da Mídia em 11/11/2014.