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O jornalismo perde um ícone da resistência na imprensa capixaba

Por Alexandre Caetano*

O jornalista Jô Amado morreu na última segunda-feira (1º de abril) em São Paulo, justamente no dia em que o golpe de 1º de abril de 1964, que mergulhou o país numa ditadura militar, completou 60 anos. Ele era um dos ícones da resistência feita pela chamada imprensa nanica, de oposição ao regime militar no Espírito Santo e no Brasil. Amado foi o idealizador e um dos fundadores, em 1976, do jornal Posição, única publicação da imprensa alternativa existente no Estado na dura época dos “anos de chumbo” da ditadura.

José São Mamede Amado, seu nome verdadeiro, tinha 82 anos e nasceu em Portugal, tendo passado sua infância e início da adolescência em Angola, então colônia portuguesa, antes de emigrar para o Brasil. Chegou ao Espírito Santo em 1973, para trabalhar na redação do jornal A Tribuna, que havia sido comprada e estava sendo reaberta pelo Grupo João Santos.

De acordo a dissertação de mestrado em História Social da Ufes, do jornalista Luiz Fernando Brumana, no início da década de 1970, Jô Amado trabalhava regularmente para o jornal carioca O Globo, e contribuía com o Opinião, um dos jornais percussores da imprensa alternativa no Brasil.

No depoimento dado ao jornalista para a produção da dissertação, Jô Amado disse ter sido alertado por Raimundo Pereira – ele próprio um ícone da imprensa nanica brasileira, editor-chefe de Opinião e, posteriormente, fundador e editor do jornal Movimento – de que seu nome havia sido mencionado num dos depoimentos que tinha que prestar regularmente no temido Dops (Delegacia de Ordem Política e Social) de São Paulo, em função das matérias publicadas no jornal.

A vinda para o Espírito Santo e a criação do Posição
Pereira então o aconselhou a deixar o Rio de Janeiro, onde residia, pelo menos por um tempo. Preocupado, Jô comentou o ocorrido com o jornalista Paulo Eduardo Torre, seu companheiro na redação de O Globo, que mais tarde seria diretor de redação de A Gazeta, e já falecido. “Ele me disse que estava indo para o Espírito Santo porque iria reabrir um jornal, que era A Tribuna, em 1973. Pelo menos não iria chegar com uma mão na frente e outra atrás. Iria já com um emprego”, contou.

O jornalista contou a novidade para Raimundo Pereira, que achou ótimo a ideia e fez-lhe três recomendações: que ao chegar ao Espírito Santo, Jô Amado trabalhasse para juntar mais pessoas combativas e tentasse criar no Estado uma seção do Comitê Brasileiro de Anistia (CBA), um Sindicato dos Jornalistas e um jornal de oposição ao regime, que não existiam no Estado.

Jô Amado participou ativamente do processo que levou ao cumprimento dos três objetivos. Depois de um curto período em A Tribuna, ele seria o idealizador e quem viabilizaria a criação do jornal Posição e que ele fundou juntamente com outros jornalistas como Rogério Medeiros, Pedro Maia e Robson Moreira. Os dois primeiros foram os diretores responsáveis pelas primeiras edições do jornal, enquanto Jô Amado constava no expediente como o editor-chefe.

Monitorado pela repressão
Documentos do acervo do extinto DOPS do Espírito Santo, que se encontra no Arquivo Público do Espírito Santo (APES), mostram que Jô Amado era objeto de constante monitoramento por parte dos serviços de informação da ditadura que atuavam no Estado.

O Sindicato dos Jornalistas foi fundado em 1979, tendo o jornalista Rogério Medeiros como primeiro presidente. Já o CBA/ES foi articulado em 1978 e lançado no ano seguinte, num ato realizado no auditório do Colégio do Carmo. Jô foi editor-chefe das primeiras 48 edições do Posição, até dezembro de 1978, quando deixou o comando da redação, mas continuou colaborando com a publicação por meio de artigos, reportagens, correspondências ou mesmo retornando esporadicamente ao expediente do jornal.

Trincheira da resistência contra a ditadura no Estado, o jornal Posição circulou entre outubro de 1976 a setembro de 1979, chegando ainda a lançar uma edição comemorativa dos cinco anos de lançamento da publicação, em outubro de 1981. Jô Amado, que participou também da criação e construção do Partido dos Trabalhadores (PT) no Espírito Santo, se mudou para São Paulo, onde residiu por muitos anos.

Prisão arbitrária nas eleições de 1988
Jô Amado foi protagonista de um episódio que participei e testemunhei nas eleições municipais de 1988, em Vitória, quando estivemos presos juntos, no Quartel da PM, em Maruípe. Na ocasião, ele residia em São Paulo, mas tinha vindo ao Espírito Santo, especialmente para votar na candidatura de Vitor Buaiz à Prefeitura da Capital, pelo Partido dos Trabalhadores.

No entanto, o jornalista acabaria sendo preso arbitrariamente, no local de votação, apenas porque usava uma camisa com estampa da CUT, por ordem pessoal do então juiz eleitoral de Vitória, na época, e já falecido, Paulo Copolillo, que mais tarde chegaria à posição desembargador do Tribunal de Justiça (TJES).

No Ginásio de Esportes do quartel, para onde foram levados os presos acusados de “boca de urna” naquele pleito, Jô atribuiu a prisão ao fato de anos antes, o magistrado ter sido criticado nas páginas de Posição. Aquela foi a primeira eleição em que houve prisão em massa de acusados de fazerem “boca de urna” no dia do pleito.

Eu mesmo, que era eleitor de Vila Velha, fui preso antes da abertura das urnas, nas proximidades do antigo Colégio do Carmo, no Centro, ao ser abordado por policiais militares, por carregar panfletos dentro da bolsa de couro a tiracolo que usava. Também chegaram para nos fazer “companhia” no quartel de Maruípe, o sindicalista Raimundo Kappel, já falecido, e o hoje professor do Departamento de Filosofia da Ufes, Maurício Abdala, na época, um jovem seminarista, que foi preso por distribuir um panfleto dos sem-terra.

Paulo Copolillo foi o único juiz eleitoral do Estado que, nas eleições daquele ano, só libertou os presos acusados de boca de urna depois do fim do horário da votação. Assim, eu acabei não podendo votar.  O magistrado esteve no ginásio de esportes do quartel da PM e cheio de empáfia, num acesso explícito de autoritarismo, por uma banalidade qualquer, se dirigiu aos berros a Jô Amado, com o objetivo de humilhá-lo diante dos demais presos.

Para contornar a presença de militantes do PT, dentre os quais, o candidato do partido, Vitor Buaiz e que seria o vencedor daquele pleito, e dos profissionais da imprensa local, que aguardavam na entrada principal do quartel. Copolillo, ordenou que os presos fossem libertados, mas que deixassem a guarnição por uma entrada que ficava nos fundos da unidade do comando da PM no Estado.

Há alguns anos, Jô Amado havia retornado ao Espírito Santo, onde cheguei a encontrá-lo, certa vez, no Centro de Vitória. Entretanto, pelo que li nas notícias,  o que vi na imprensa local e numa postagem do filho dele numa rede social, quando morreu, parece que o jornalista  estava residindo novamente em São Paulo.

Onde quer que estivesse residindo, ele deixou escritas as páginas de sua participação na história dos movimentos populares e sociais do Espírito Santo, como militante político e jornalista. Jô Amado era daqueles homens que lutou durante toda a vida e por isso era um dos imprescindíveis citados num belo poema de Bertold Brecht.

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Alexandre Caetano, jornalista e historiador formado pela Ufes

Crédito: Foto da dissertação de mestrado de Luiz Fernando da Silva Brumana –O GRITO DA RESISTÊNCIA: O JORNAL POSIÇÃO E A COBERTURA DA ABERTURA POLÍTICA NO ESPIRITO SANTO (1976 A 1981)