Pioneira tem que ter a unha pintada de vermelho
Por Aída Bueno (*)
“Não trabalho com mulher, diz que não tem nada, manda ela embora”. Nesse dia, início da década de 1990, voltei para a redação do jornal A Gazeta sem novidades sobre o estupro e assassinato de uma menina. No dia seguinte, o concorrente abriu manchete anunciando que um suspeito tinha sido preso. Não fui demitida por incompetência porque um investigador secretamente ligou para Mauro Sérgio Loureiro, então editor de Polícia de AG, e revelou o que havia dito o delegado-chefe da Homicídios.
Nasci no início dos anos 1960, cresci ouvindo minha mãe dizer “feche as pernas, filhinha”. A responsabilidade por sua segurança, a culpa, era da mulher. Cabia a ela se portar decentemente, estudar pra professora, casar, ter filhos, cuidar da casa e morrer. Exceto o filho, não fiz nada disso. Meu pai me proibiu de cursar Jornalismo: “aquilo não é ambiente pra mulher”. Fiz assim mesmo. Sonhava com matérias minhas no caderno de cultura, mas a vaga que apareceu foi em Polícia.
Até então, só Violene de Carvalho tinha se aventurado nessa área, pela Rádio Espírito Santo. No início, me davam atenção talvez porque fosse novidade e também uma incógnita: uma mulher muito magra, pequena, cabelão, com voz grave, risonha, mas com postura firme. Após o episódio com o delegado, fui inconscientemente assumindo um ar mais andrógino. Era isso, ou não sobreviver naquele ambiente que, na época, era praticamente só de homens. Mas, como uma boa mulher, também mostrei as unhas pintadas de vermelho.
Mudei a forma de apurar assassinatos. Desprezei as delegacias e subia os morros à noite, à procura de fontes de informação. Encontrei muitas, de pessoas comuns a bandidos. Minhas matérias se antecipavam às investigações policiais e o delegado da Homicídios não teve escolha: me chamou e fez um acordo comigo. Isso era comum na época, para que as matérias dos veículos de comunicação não atrapalhassem as investigações. Para mim, virou a arma com a qual me defendi, me impus, me fiz respeitar. O delegado? Até hoje diz que é meu amigo.
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*Aída Bueno – Formada em Comunicação Social (Jornalismo) pela Ufes, atuou na Editoria de Polícia do jornal A Gazeta por 10 anos e foi a primeira mulher a chefiar essa editoria. Após, atuou na área de Política: exerceu as funções de repórter e colunista no site Rede de Notícias e foi assessora de Comunicação na Assembleia Legislativa do ES, onde também atuou como repórter. Foi, ainda, professora da graduação de Jornalismo por cinco anos na hoje extinta Jsimões/Fabavi.